Thursday, March 15, 2007

5-Co-apresentação do livro -MARCAS DEIXADAS, M.A.S.A

Co-apresentação do livro – “MARCAS DEIXADAS”

Maria Antonieta Sena Afonseca
Edição 2006
Imprensa Nacional


Boa tarde a todos.

I
Antes de mais, gostaria de felicitar de forma muito veemente a Autora e de agradecer com muito carinho o convite que me endereçou para participar da apresentação deste seu livro.


II

De seguida, gostaria de proferir breves palavras de enquadramento, sobre o papel que me coube nesta cerimónia e sobre a relação que tenho e sinto com a obra e com a Autora.

O papel que me coube

Encontrei-me há dias com o dr. Cláudio Furtado para falarmos sobre esta apresentação, e decidimos que ambos seríamos afinal apresentadores da obra (o 1º convite era para eu ser comentador), fazendo ele uma leitura mais transversal (e talvez sociológica?) e eu, uma leitura mais impressionista.

Simpatizei-me de imediato com o papel que acabara de me ser atribuído, por duas razões principais:

i) 1º porque daquilo que percebi do impressionismo, trata-se de uma abordagem que busca impressões mais fugitivas e imediatas na obra sem grande recurso à premeditação ou reflexão de fundo. Aliás, li que a corrente impressionista está intimamente ligada a uma Escola de Pintura do sec. XIX, que se preocupava essencialmente com a análise da cor mais do que eventuais mensagens de fundo por detrás do jogo de cores. Nessa perspectiva, minha leitura é talvez a mais fácil porque impressões subjectivas todos terão facilmente ao ler. Desta forma, evitei também ter de fazer incursões para o campo mais complexo das Ciências Sociais sobre alguns dos temas de fundo tratados como sejam as problemáticas da pobreza, da mulher, da infância, etc;
ii) Simpatizei-me com este meu papel também porque, tendo partilhado o mesmo espaço geográfico e comunitário com a Autora e estado a ela ligado por laços de parentesco, a minha tentação para fazer impressões das personagens, lugares e algumas ideias implícitas na obra, é maior e talvez o dado mais interessante do meu olhar de leitor sobre a obra.

III

Indo mais directamente para a leitura da obra, resumi a minha breve intervenção sob um título que eu chamei de impressões gerais e especiais. Confesso que, não sei se prudente ou imprudentemente, nunca falei com a Autora sobre o conteúdo desta obra. Ela própria sentir-se-á porventura surpreendida com as impressões que vos vou comunicar! Até porque era mais interessante assim, não correndo o risco de ver as minhas impressões influenciadas pelo pensamento real da Autora.



Impressões gerais e especiais


Denúncia (1ª impressão)

Ao terminar a leitura da obra, dei comigo mesmo triste a pensar e a recordar episódios e situações tristes relatadas na obra e muito presentes no nosso dia-a-dia e no de muita gente. A primeira pergunta que fiz para mim mesmo foi a seguinte: porque quererá a Autora dar tanto realce a estes temas de fundo tanto tristes e negativos? Conhecendo pessoalmente a Autora e a sua matriz educacional e filosófica, não poderia ter concluído outra coisa senão que não era realçar para elogiar mas sim realçar para denunciar e criticar.


O Realismo sobrepõe-se à Ficção ao longo da obra

Ao longo das sete estórias ou capítulos do livro foi incrível constatar o quanto aqueles relatos e episódios eram reais; Desde o capítulo intitulado “Pobreza na minha terra”, passando pelos outros - “A vida do menino”, “A mulher que eu conheci”, “Marcas deixadas”, “O peso de uma vivência”, “As romarias dos santos” a, finalmente, “O fenómeno da morte”, algumas personagens, lugares e estórias pareciam claramente reconhecidos por mim; inclusive no meu exemplar do livro tomei nota a lápis de alguns nomes de pessoas e lugares que eu achei serem os visados. Os únicos dados que me pareceram ficção (como aliás convinha) eram os nomes de pessoas e animais. Aliás notei uma clara não utilização de nomes próprios para as personagens e lugares. Os raros casos (se não me enganei) foram os da personagem “Beto” e do cão “Rabisco” (o menino e o cão da estória nº 2): Não se atribui também nomes próprios aos lugares, excepto o caso da Ilha (ref à Ilha de Santiago Menor na estória nº 6). De resto, a Autora situa quase sempre as estórias em lugares indeterminados como “A Ribeira”, a “Freguesia”, “entre cutelos”, etc.


Passagens claramente autobiográficas

Essas passagens, pelo menos duas, estão na estória nº 7 intitulada “O fenómeno da morte”. Por duas ocasiões a Autora refere-se na primeira pessoa à morte da mãe e do pai. Logo no início do 1º parágrafo (ref morte da mãe) e de forma um pouco mais indirecta no início da II parte da estória nº 7 (a morte do pai); No primeiro caso não estive, porque ainda não era nascido, mas estive no segundo. Revi-me na parte final da p. 59 quando a Autora fala, num dado momento, da “bonita velhice” do pai, cujo nome não menciona mas que muitos dos presentes conheceram e reconhecerão no texto. Essas passagens exprimem uma certa resignação da Autora ao fenómeno da morte, fenómeno ao qual ela se refere como sendo “a continuação da vida” (p. 60); Achei bonita e ao mesmo tempo fatalista e pessimista uma outra frase desse capítulo segundo a qual “ toda a criatura cresce para a morte” (msm p. 60).


Agradável surpresa quanto à qualidade do estilo de escrita utilizado


Apreciei especialmente algumas formas de dizer, a capacidade e beleza descritiva de algumas passagens e certas explicações ou definições.

i) Sublinhei por exemplo uma frase curiosa na p. 17 quando, ao relatar estórias sobre a Pobreza lê-se que (cito) “Igual ao resto do mundo, naquela Ribeira estava-se a viver em pleno século XX, o século considerado do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, da democracia, da globalização, da civilização e da cultura, do bem-estar...” De facto e infelizmente, em muitos aspectos parece que nas nossas Ribeiras vive-se num outro século, muito mais recuado no tempo do que este!

ii) Sublinhei outra passagem interessante na p. 45 onde, a propósito da violência doméstica contra a mulher a Autora refere-se a essa violência como sendo (cito) um “discurso surdo” que sai “pela calada da noite, quando apenas poderiam assistir ao espectáculo quem como os grilos e a escuridão, (são) testemunhas que não tinham vozes para fazer eco…”


iii) Achei também interessante o conceito de “empréstimo sem devolução” referindo-se à vizinhança que pede uma colher de açúcar, uma pitada de sal e uma mão de arroz, sem quaisquer possibilidades de devolver o emprestado (p. 19, estoria nº 1)

iv) Gostei também da imagem transmitida numa passagem da p. 25 quando, ao referir-se às estórias de um menino escreve (cito) - “De tanto lidar com carros de lata até já tinha jeito de um bom condutor ao virar para a esquerda e para a direita enquanto metia as quatro velocidades usando como motor as cordas vocais.”

v) A definição e referência aos famosos brinquedos de antigamente – “arco e argola” – numa passagem da p. 41 está em bom estilo. Lê-se que “Beto” (o menino personagem principal dessa estória) – cito – “ passava a dar voltas e voltas pendurado a um arco e uma argola, objectos de brinquedo que eram feitos da parte extrema do tambor, fazendo os seus quilómetros e meio mas sempre no mesmo sítio, e ao som do ferro esfregando-se um contra o outro…”


Outros exemplos retirei dos textos, mas para não me alongar mais, deixo a sua descoberta à vossa curiosidade e interesse pela obra.

Fazendo votos para que o livro tenha sucesso e para que a Autora escreva muitas mais obras, termino agradecendo a vossa atenção dispensada.


Obrigado.

Milton Paiva

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