Wednesday, March 14, 2007

1-Trinta horas para contar sobre a ilha da Brava

Sem nunca antes ter experimentado outro percurso de barco que não fosse a travessia do rio Tejo em Lisboa, há muito que esperava poder embarcar nesse desconhecido que todos os dias vem e vai mar adentro...

O fim-de-semana prolongado deste 13 de Janeiro era mais uma boa oportunidade para improvisar algo que desafiasse as rotinas do quotidiano. Foi assim que começamos a organizar a nossa pequena caravana a quatro rumo à ilha da Brava. Para mim tratava-se da descoberta total do mar e da ilha; para a SB era a descoberta da ilha somente. Quanto ao CA Reis e a AR nem uma coisa nem outra a não ser re-visitar lugares e amigos bem queridos dos seus passados profissionais recentes.

Na véspera da partida cheguei a temer o mal-estar característico das viagens de barco e, tratando-se da 1a vez, estava incapaz de prever a minha reacção a uma tal situação. Pelo sim pelo não, como que para ganhar coragem, disse para mim mesmo que iria ser uma viagem normal só que mais demorada.

As movimentações e o vai-e-vém daquele embarque, às 22h de Quinta-feira no porto da Praia, faziam lembrar um qualquer mercado tradicional em hora de ponta. Sempre ouvi falar do BARLAVENTO, ao que parece um dos barcos já veteranos da nossa praça marítima, mas era tudo quanto sabia do barco: o nome. Uma vez instalado no famoso salão, esperei que a SB assinalasse a sua chegada, o que veio a acontecer pouco depois. Apesar de cansado, não podia deixar de observar e de apreciar aquela partida do porto, já depois da meia noite, sem fazer a mínima ideia da rota marítima que nos deveria levar à Brava com escala no Fogo. Abandonei o salão por instantes para seguir aquela partida sem duvida bem mais suave e bonita que a de um qualquer avião. Pouco a pouco, a cidade da Praia foi ficado para trás até que já só via luzes, incapaz de precisar com exactidão de que zona da ilha se tratava...

Pouco mais seria capaz de contar do resto da viagem de ida até ao Fogo a não ser uns bons balanços e movimentos bruscos do barco, quando seguramente confrontado com zonas mais turbulentas. Toda a tripulação, inclusive eu e a SB, dormia vencidos pelo cansaço e pela demora da viagem. Cerca de 7 horas depois estávamos na ilha do Fogo e já era dia de novo. Estava combinado que o CA Reis e a AR se juntassem a nós nesse Cais para juntos prosseguirmos. Como a paragem duraria cerca de 2 horas, o CA Reis veio buscar-nos ao porto para levar-nos até à casa dele em S. Felipe. Aquela curta passagem por S. Felipe trouxe-me à memória boas recordações da minha recente passagem pela ilha.

O resto da viagem (Fogo – Brava) foi bem mais agradável por muitas razões: já era dia, o trajecto duraria cerca de 1 hora, o mar estava límpido e sereno, a equipa estava reforçada com mais dois bons elementos. Naturalmente, o ambiente de descontracção que nos é característico foi-se revelando, e a varanda do 1° andar do BARLAVENTO tinha muito melhor vista e estava sem duvida mais arejada que o salão do percurso anterior.

Fixando a ilha que ia aparecendo cada vez maior no horizonte, fiquei surpreendido ao saber pela boca do CA Reis que a Vila ficava nas elevações montanhosas e não num qualquer vale como havia imaginado. Conta-se que do porto de Furna (local do desembarque) até lá são 99 curvas sempre a subir. Até nisso parece não haver consenso pois, segundo o nosso amigo o Sr. Dr. Juiz, que nos veio buscar ao Cais, contara cerca de 101 curvas até lá acima. Seja como for a coisa deve andar por ai.

Desembarcamos em Furna e não foi difícil confirmar que toda a gente conhecia o CA Reis e a AR, os quais tinham desempenhado relevantes funções publicas na ilha, durante cerca de um ano, antes das respectivas transferências para o Fogo. Da minha parte não pensava noutra coisa senão em prestar atenção à maneira de falar da ilha. Não me lembrava de ter conhecido outros bravenses nem de ter ouvido falar de tal forma. Afinal, com excepção de alguns nomes e expressões características, percebia-se perfeitamente e não haveria quaisquer dificuldades nesse sentido.

Pousadas as bagagens, a fome era tanta que fomos imediatamente tomar o pequeno - almoço ao restaurante/bar SOSSEGO onde, como disse a AR, serviam o pequeno almoço mais “fundamental” da Vila: cachupa “rafogadu” com linguiça a acompanhar o café com leite do costume e mais outros quantos acessórios se desejados.

Seguiu-se uma boa marcha pela Vila cujo nome não deixa de ser curioso - NOVA SINTRA – numa mais que provável referência à cidade portuguesa de SINTRA. Realmente, quem conhece as duas Sintras constatará facilmente as semelhanças: ambas situadas montanha acima, com micro- climas frios e céus quase sempre nebulosos, bastante verdes e floridas, e ambas concebidas ao estilo da arquitectura portuguesa colonial. A Praça e os Paços do Concelho são bons exemplos desse estilo. Contou-me o Sr Dr. Juiz que o Governo do pais no tempo colonial chegou a sedear na Brava, dando à Vila uma importância capital. Segundo ele, Francis Drake, o famoso pirata marítimo inglês, chegara a pilhar a ilha, numa das suas inúmeras “recolhas forçadas” de ouro de outras jóias por esse mundo fora.

Por entre sorrisos e abraços chegamos à “sede” da CASA MANSA, que salvo as devidas comparações, é o nome de um importante senhorio do poder comercial e imobiliário local. Do interior da loja o Sr T, dono daquele estabelecimento e de vários outros imóveis da Vila, assinalados com o nome de Casa Mansa, saudou-nos efusivamente e providenciou imediatamente a devida recepção à comitiva. Homem de bom sentido de humor, ai ficamos o tempo que foi necessário, todos sentados à porta, na companhia do que cada um quisesse beber. Dai só saímos quando se aproximou a hora de providenciar o improvisado churrasco de logo à noite, a convite e em casa do Sr Dr. Juiz.

Orientada que estava a “churrascada”, conseguimos boleia para uma volta mais prolongada a outros pontos da ilha, nomeadamente até ao Miradouro (donde se vê particularmente bem a Vila e o Fogo) e a outros locais cujo nome não retive.

De regresso, não podíamos deixar de passar num dos Bares mais notáveis da ilha, o qual já ganhou mesmo um prémio em França pela sua originalidade. Esta reside no facto de existirem também lugares para clientes atrás do balcão, onde normalmente só deveriam estar os bar-men e outros empregados. Coincidência ou não tratava-se de mais um dos estabelecimentos do referido Sr T da Casa Mansa. Durante a tarde tinha-lhe perguntado donde vinha o nome e a historia é simples: houve um padre na ilha de quem ele se tornara amigo, e o qual era um frequentador assíduo do seu estabelecimento; foi esse padre que, tendo vivido anteriormente em Casamansa (fronteira Senegal / Guiné-Bissau), baptizara o local com o mesmo nome, que escrito da forma anterior resultava nessa palavra de duplo sentido.

A Churrascada foi um bom momento, como previsto. Foi o tempo para uns voltarem a falar de política (decorre a companha para as legislativas 2006), para outros tocarem & cantarem, enquanto outros ainda (os melhores ! ) continuavam a assar os frangos...

Madrugada adentro, quando a parodia já estava a morrer, lembrei-me de desafiar o pessoal a acabarmos a noite num qualquer bar lá do sitio. A resposta surgiu rapidamente. O experiente CA Reis retorquiu qualquer coisa como isto: “Estás na melhor parodia possível numa Sexta-feira à noite na Brava! Não queiras fazer na Brava as mesmas coisas que farias na Praia”...

Rendi-me por instantes àquela evidência , mas voltaria à mesma tentação quando mais tarde ouvi dizer que haveria àquela hora um bar aberto, para onde iriam umas pessoas que tinham estado connosco. Sol de pouca dura. Mal pousei na cama ainda resmunguei com o CA Reis mas logo me apercebi que a noite acabara ali...


No dia seguinte, a 1° boa iniciativa foi voltar ao SOSSEGO para o pequeno-almoço dito “fundamental”. Mais umas quantas voltinhas e pronto, aproximava-se a hora prevista para o check-in no Cais de Furna – 13h. Já diziam os mais experientes que isso de horários de barcos não era para levar muito a sério. Na verdade só embarcamos por volta da 17h, depois de mais um “rendez-vous” num dos restaurantes/bares de Furna. Fiquei a conhecer, de entre outros, a dupla Nhelas & Gabs, dois antigos estudantes cabo-verdianos de Filosofia e Economia (respectivamente) no Brasil que se tornaram professores na ilha. O Nhelas mais pensador e o Gabs mais arrasador assim continua a dupla desde outros tempos estudantis.

Como na ida, regressamos via Fogo, onde nos despedimos do CA Reis e da AR. A viagem para a Praia foi “apocalíptica” na expressão da SB. O mar estava demasiado bravo para uma viagem tranquila: muito vento, ondas enormes a roçar as janelas do salão, movimentos bruscos e roídos estranhos do navio, muito calor, a maioria dos poucos passageiros deitados no soalho do navio a tentar dormir, ruídos de cabras e porcos que vinham na parte exterior ...

Na chegada ao porto da Praia cerca das 03h20 da madrugada de Domingo, as mesmas impressões da partida: a noite, a Praia em luzes, a mesma tranquilidade apenas interrompida pela correria de taxis e bagageiros pouco depois de o navio ter sido imobilizado no porto.

Exceptuando o tempo gasto nas deslocações marítimas de ida e volta, tínhamos afinal passado cerca de 30 horas na Brava. A impressão e os traços que me ficaram eram os de uma viagem de três dias, tais os trajectos e contornos...


Milton Paiva

1 comment:

Solene said...

Caro Milton,
E muito fixe de ler este texto. Ele me lembra os bons momentos passados em Cabo verde... Tenho muito saudade de Cabo Verde, e é sempre um prazer de receber noticias de là. Espero que vais conseguir publicar outros textos e outras noticias, e nos contar a tua vida na Praia. Até +